Photo by Pi
As palavras simplesmente não lhe apeteciam e ela de um dia para o outro deixou de escrever. Não que as ideias e os pensamentos não lhe chegassem da mesma forma, com a mesma intensidade e borburinho como sempre as sentia, mas porque algo que ela não sabe explicar a impeliu para parar de o fazer. E assim como num profundo mergulho perdeu aquele hábito matinal de escrevinhar fosse o que fosse.
O tempo foi-se sucedendo, seguindo o curso natural de todas as outras coisas excepto essa. Parecia que um pouco dela se tinha enclausurado, ficava guardado lá atrás, e ela sempre que tinha saudades dela mesma vestida nessa pele passava revista a tudo o que tinha andado a pôr em palavras até então. Sorvia as frases dela e a dos outros, outros que da mesma forma se deleitavam em escritas e devaneios diários; sorvia imagens e empatias e amizades criadas através daquela sua rotina escrita. Sorria com os pedidos de regresso, com as interrogações e perguntas de todos aqueles que se tinham habituado àquela sua forma de contar e deixar perscrutar pedaços de si.
Havia certos dias em que se atrevia a tentar recomeçar, dizer qualquer coisa; mas as palavras soavam-lhe trôpegas e sem sentido e sem qualquer ponta de interesse para quem quer que as fosse ler.
E num reflexo fazia delete e seguia para a sua vida lá fora.
Hoje no entanto foi diferente. Enquanto olhava o mar revolto e sem surfistas, através dos vidros e da chuva forte que volta e meia se fazia sentir, e enquanto ia sorvendo um chá verde que lhe aquecia as mãos e todo o corpo, sentiu uma voz dentro dela murmurar e entoar conversas que se encadeavam na perfeição e de uma forma consistente, com vontade de se libertarem.
“Sim”, disse ela, em voz alta, apesar de estar sentada sozinha. “É isso”, voltou ela a dizer em voz alta e desta vez como que falando directamente com a empregada do bar do Edifício Transparente, que sorriu de volta para o seu ar meio lunático. “Tenho de ir ressuscitar o meu blog, antes que ele se apague até de mim própria”.
E assim foi. Pôs o saco onde guardava a sua Canon ao tiracolo, vestiu o casaco da O’Neill que tinha sido das suas melhores compras da época de saldos e despediu-se de uma e outra cara conhecida que a rodeava. Regressou a casa para cumprir algo que prometera a si própria já desde o início do ano.
Antes que fosse tarde demais.
E antes que deixasse morrer uma parte de si que lhe dava imenso prazer.