quarta-feira, 1 de julho de 2009

A alma e o Mar

Photo by Pi


Sentaram-se os dois comodamente em frente ao mar, numa das esplanadas da Foz, aquela que ambos mais gostavam e na qual se sentiam como que em casa.

Era fim de tarde, um fim de tarde daqueles lentos em que ao longe o sol desaparece muito devagarinho. A música tocava baixinho, aliando a agradável sonoridade à beleza daquele momento.
Fazia calor e ela vestia um top decotado que lhe desnudava os ombros. Realçava a pele bronzeada dela, que ele sempre achou lhe ficava tão bem.
Pediram uma bebida; um gin tónico, claro.

Depois ele começou distraidamente a tirar-lhe fotografias. Por todo o lado que ia acompanhava-o a sua Nikon e as suas várias objectivas. Ele gostava de captar momentos.

“É nos pequenos momentos e em certos pormenores que nos deixamos imortalizar”, dizia.
E serenamente fotografou-lhe uma das mãos, a esquerda, mão essa que segurava no copo e fazia reluzir uma aliança grossa e de ouro, contrastando sedutoramente com a mão muito morena.

Aleatoriamente ele ia captando imagens, ora do mar, ora das rochas, ora do empregado jovial e de brinco na orelha que alegremente atendia as mesas.

Mas depois voltava a focá-la a ela. Os olhos, as mãos, sim, ele perdia-se com as mãos, ….e agora a mão direita dela fumava um cigarro…

“ e desde quando é que tu agora fumas????” perguntou-lhe, perdendo-se a olhar o esvoaçar do fumo.
“ eu não fumo!”, disse ela e sorriu.
“Mas há momentos em que acho que ligam bem com um cigarro. Este aqui é um deles.
Este entardecer, este azul do mar e o barulhinho das ondas, esta bebida que me sabe sempre bem….e tu. Aqui comigo. A fotografar cada pedaço de mim. De alguma forma fico nervosa e protejo-me neste cigarro.”

Ele abanou ligeiramente a cabeça em jeito de reprovação. “Ficas bem mais bonita sem esse cigarro. E não precisas nunca de te proteger de mim. Apesar de eu te prescrutar com esta objectiva, de quase te desnudar, há sempre essa tua alma lá no fundo à qual eu demoro a conseguir chegar.”

Ela anuiu. Sabia que aquela alma dela era mesmo quase impossível de lá chegar..
Uma alma não pode ser imortalizada numa imagem, porque simplesmente há tanto mais para além disso. E se às vezes nem ela própria compreende a sua alma, como poderia ela ser desvendada por uma simples objectiva?

Ele sorriu e tocou-lhe levemente na mão. Nessa mesma mão na qual brilhava a aliança.
“ Eu sei que a tua alma nunca será minha, mas convenço-me a mim próprio que ela só pertence ao mar”

Os olhos dela brilharam, brilharam tanto que apesar de serem escuros quase ficaram azuis..: .
“É isso!!, se me imortalizares com essa tua máquina, imortaliza-me no mar”!