terça-feira, 14 de julho de 2009

Ao entardecer


Saiu da água com a sensação habitual de bem-estar e de leveza. Costumava ser assim sempre que conseguia apanhar uma ou outra onda que achava ter sido perfeita, ou que pelo menos lhe tinha dado um certo gozo surfá-la. A praia já estava deserta e só um ou outro surfista continuava no mar.
O sol parecia fogo, bem lá ao fundo, a descer devagarinho como que num momento que não queremos perder.

Dirigiu-se ao chuveiro da praia onde lavou a prancha e despiu o fato, um fato que lhe assentava especialmente bem, com duas riscas azuis a contrastar com o preto.
Aquele acto de despir o fato era-lhe sempre desconfortável, principalmente quando sabia estarem pessoas a ver. Apesar de ter um bikini por baixo sentia-se como que a desnudar-se, e a deixar que o seu corpo fosse sendo perscrutado lentamente. E como às vezes custava e demorava a despir o fato!!

Hoje ela estava descontraída, não estava ninguém por perto e a praia e o bar pareciam vazios. Terminou o ritual do despe e do veste alegremente e já vestida com uns calções ripcurl e um top azul turquesa carregou a prancha, dirigindo-se ao bar da praia, precisava de beber uma água.
Foi aí que reparou que alguém a observava. Alguém desconhecido sentado na esplanada, numa das cadeiras de recosto, serenamente e ainda de óculos de sol olhava bem na sua direcção. Percebeu que a tinha estado a observar desde sempre. Desde que tinha saído do mar.
Tentou agir normalmente como se não estivesse a ser observada.

Sentou-se também numa das mesas, ligeiramente afastada do homem que a observava. Recostou-se num aliviar do cansaço e sentiu a brisa do fim-de-tarde. Tocava uma suave musiquinha, parecia a sonoridade dos Nouvelle Vague, e ela abstraiu-se do resto, recostando-se e fechando os olhos por uns breves instantes.

Posso fazer-lhe companhia só por uns momentos?”

Abriu os olhos e deparou-se com o homem que a observava ali bem perto de si. Aliás já se estava a sentar na mesa dela sem lhe dar tempo de resposta.

Era um homem bonito, de ar bronzeado, e de sorriso doce. Aparentava uns 35, 36 anos, e percebia-se que tinha saído do trabalho directamente para ali. Vestido de fato e gravata, impecável, num estilo fashion, e usava aliança.
Essencialmente, a primeira impressão foi agradável.

Ela corou um pouco, enrubesceu esperando que o seu ar moreno desse para disfarçar. Sorriu : “já não posso dizer que não, já aqui está ao meu lado….”

Ele sorriu também e num acto descontraído tirou a gravata e despiu o casaco. E começou a falar assim como se já a conhecesse há muito tempo:
Assim estou melhor ao seu lado, disse, “é que esse seu ar de praia e de água salgada está-me a corroer de inveja e eu tinha de falar consigo. Olho sempre os surfistas com alguma inveja, e agora a observá-la a sair do mar acho que observei momentos perfeitos. Como num filme. Momentos perfeitos de harmonia de uma pessoa para consigo própria."

Ela voltou a sorrir. “ Sim, mas é mesmo isso que eu retiro do surf. Uma harmonia entre mim e o mar, tudo o resto se esvai com a espuma…".

Ele olhou-a profundamente olhos nos olhos. Ela deu-se conta de como ele era bonito. Tinha umas leves sardas. Mas lá no fundo dos olhos meigos percebia-se uma certa tristeza.

Parece tão fácil ser feliz, continuou ele. "Bastou-me olhar para si. Respira leveza, bem-estar, liberdade….e como eu queria ser livre…."

Silêncio. Ela estava sem saber o que lhe dizer e de repente anoitecia.
obrigada por este momento, disse ele meio repentinamente. "Você não tem de me aturar. Sou eu que vivo preso aos meus preconceitos, ao meu casamento sem sentido, ao meu trabalho desesperante, e a esta gritante vontade de fugir, largar tudo, de ir para o mar…. hoje, acho que fugia consigo….quer fugir comigo???

E sorriu. De novo com o seu sorriso meigo.

Eu vou ter mesmo de ir embora, está a ficar tarde e estão à minha espera.
Apareça aqui amanhã, voltamos a falar", disse ela meia nervosa. Alugue um fato e venha surfar. Quem sabe dá um grito no mar!"

Despediu-se com um leve sorriso e abandonou o bar. Foi para casa com uma sensação estranha, com a certeza de que não o ia voltar a ver, o que no fundo até gostava.

Casamentos, relações desfeitas,….quantos casos ela já não conhecia assim? Abanou a cabeça e seguiu. Nada é para sempre, mesmo.

Nada, só mesmo aquela sua paixão pelo mar.