Inconstância

A lua ia já alta mas eu não conseguia dormir. Palpitava em mim uma excitação estranha que não me deixou aconchegar no meu sono.
Lá fora, a noite estava quente e estrelada, e eu decidi ir até à varanda sentir o perfume da leve brisa que corria.
Silêncio. Um silêncio profundo que ecoava apenas em mim e que foi quebrado pelo som de um avião longínquo. Para onde iria? Por breves instantes imaginei-me a partir também para um destino qualquer, ao encontro de uma coisa qualquer.
Sim, era isso mesmo. Uma vontade enorme de partir. Partir por uns tempos, partir e largar raízes.

Resolvi fumar um cigarro; tinha uns quantos guardados numa gaveta pequenina do móvel da sala, só para momentos como estes. Já não fumava há mesmo muito tempo, e a primeira passa invadiu-me os pulmões de fumo fazendo o meu corpo estremecer.

Porque é que há alturas da vida em que nos apetece largar tudo e procurar evasão? Porque é que temos em nós esta ilusão de que iríamos começar tudo de novo outra vez, mas de uma outra forma, desta vez com toda a aprendizagem acumulada e que a nossa vida iria ser muito melhor?
Não consegui fumar o cigarro até ao fim, estava ligeiramente enjoada. Apaguei-o e olhei para as estrelas.

Pura ilusão. Ilusão de que conseguimos largar o nosso eu de agora aqui, e encontrar um eu diferente lá, nesse outro lugar. Mas o nosso eu persegue-nos, está entranhado em nós apesar de evoluir com o tempo e com os lugares por onde passa. É ele sempre, que nos acompanha como a nossa sombra.
Os olhos começaram a ficar cansados e eu resolvi voltar para a cama.

Espreguicei-me ainda ao luar, como que a desejar-lhe as boas noites e voltei para dentro.
Eu e sempre eu numa permanente inconstância, nesta ânsia de partir, nesta ânsia de descobrir algo mais de mim que anda por aí distante a planar….

Aninhei-me na cama e enrosquei-me em ti. Quentinho. Tudo o resto que me assaltava a mente se desvaneceu, e com os meus pés entrelaçados nos teus disse boa noite a mim e a ti.
Adormeci com a certeza de que também sou feliz aqui.